Dia Mundial da Alfabetização

Dia-Mundial-da-Alfabetização-–-08-de-setembro


dia-mundial-da-alfabetização-livisa-cursosEm 8 de setembro comemora-se o Dia Mundial da Alfabetização. Para os brasileiros uma data que marca um fracasso, pois temos mais de 11.500.000.000 de analfabetos no país.

Esta cifra é assustadora e deve levar a reflexões, a nos indagar por que isso acontece e por que ainda não encontramos solução para esta tragédia nacional.

O Brasil de hoje tem um produto que ninguém possui. Algo novo, inusitado: crianças  e adolescentes escolarizados e analfabetos. Houve a universalização do ensino, há vagas nas escolas públicas  para todos, mas muitos cumprem o ensino fundamental e não aprendem a ler.

Há 12 anos escrevi um texto sobre minha neta, que havia se alfabetizado, com 6 anos de idade. Reproduzo-o abaixo, porque ainda é atual e pode servir como reflexão para o dia de hoje:

Ela Já Sabe Ler !

Como psicopedagoga engajada nas questões que afligem a educação brasileira, deparo-me, muitas vezes, com esta pergunta que os professores do ensino fundamental me formulam:_ o que é uma criança alfabetizada?__ Quando podemos dizer que ela já sabe ler?

Acompanhando, no dia a dia, o crescimento de minha neta, uma situação remeteu-me a pensar sobre este tema da alfabetização, que é recorrente em minhas leituras, em meus escritos e em meu trabalho de formação de docentes por meio de cursos de qualificação profissional.

Cmétodo-sintéticoonvido o leitor a me seguir no relato desta situação em particular: estava eu ao chuveiro, em pleno verão , em um dia de dezembro. Minha neta, recém alfabetizada, resolveu escrever uma carta para “ papai noel ” e, com sua pouca experiência, abria e fechava a porta do banheiro em que eu me encontrava, sempre perguntando:

_Vovó,  “ Noel” é com “ u “ ou com “ l” ?

Eu lhe respondia e ela voltava ao seu trabalho.

Logo depois, vinha ela de novo:

__Vovó, “presente” é com “ m” ou com “n “ ?

E assim, durante aquele trabalho de escrever a tal carta, ela ia e vinha diversas vezes, compartilhando comigo suas dúvidas.

Aquela criança de 6 anos, levou-me a refletir e a encontrar uma resposta para as professoras angustiadas com a alfabetização de seus alunos, inquietas por tentar estabelecer se estavam ou não alfabetizados e se deviam ou não receber promoção para a série seguinte.

O que é uma criança alfabetizada, afinal? Quando podemos dizer que ela já sabe ler e escrever?  A resposta, hoje, me parece muito clara: quando ela for capaz de fazer perguntas a respeito da formação das palavras porque já introjetou que a escrita é um código e, como tal, possui regras estabelecidas que  devem ser seguidas.

Uma criança alfabetizada é aquela que tem a noção precisa de que a língua não se inventa a cada dia, que as palavras pertencem a todos e que foram compostas  a partir de determinadas regras;que o sistema lingüístico é flexível, pois novas palavras estão continuamente aparecendo, mas  todas elas surgem  de forma coerente com o próprio sistema.

Se a criança compreende isso, ela vai tentar seguir as tais regras de formação vocabular, de adequação sintática e semântica e será capaz de ler, compreendendo os significados dos textos, assim como de escrever suas próprias produções textuais. A alfabetização não se resume em um processo de conhecimento das letras, mas de como elas se combinam, quais são as possibilidades que elas contém de se aglutinarem formando sílabas, destas sílabas se justaporem formando palavras e de palavras comporem frases e textos.

Por efeito deste fato, os professores alfabetizadores não devem se deixar levar pelas teorias espontaneístas, segundo as quais a aprendizagem da leitura e da escrita se dá naturalmente. Tais professores confundem “letramento” com “alfabetização”. Alfabetizar, como o próprio nome indica, é a ação  de tornar alguém alfabético, ou seja, com o conhecimentos dos signos que compõem o alfabeto e  das regras de composição que a língua possui para combiná-los.

Se isso não for trabalhado com a criança, ela passará a constituir aquele universo de alunos, triste marca da educação brasileira na atualidade, que escrevem como “ pensam que é “, sem a menor coerência entre sua escrita e a  escritura  social..

Alfabetização é uma ação orientada para um determinado fim: o domínio do código alfabético, o que implica três noiveis de compreensão: o fonológico, o sintático e o semântico. Esta ação é delimitada no espaço-tempo da escola de ensino fundamental. Não é um processo contínuo, mas não deixa de possuir um lado permanente, pois ,depois de concluído, tem a possibilidade de ser aprimorado. Por isso, quanto mais uma pessoa lê, melhor leitor se torna. Quanto mais escrever, melhor escritor será.

O que se vê com muita frequência  hoje em dia é que a visão distorcida da alfabetização produz  pessoas que leem mecanicamente, enfatizando o nível fonológico, sem a devida compreensão do texto e ou pessoas que escrevem também mecanicamente, ou seja, são excelentes copistas ,mas incapazes de registrarem seu próprio pensamento. Uma criança assim, não pode ser considerada alfabetizada. Porém, aquelas que ainda não sabem muito bem como se escrevem as palavras, aquelas que ainda leem com alguma dificuldade de pronúncia ou de entonação, mas que conseguem compreender o que leram e são capazes de perguntar, de se pôr em dúvida a respeito da letra correta para escrever esta ou aquela palavra, esta sim é uma criança alfabetizada e, apesar de não ter ainda competência leitora e de escrita, está no caminho para adquiri-las, pois aprendeu a lidar com a dúvida, descobriu que a leitura/escrita possui regras e, por isso, sabe fazer as perguntas certas.  Importante, em todas as perguntas, não são os conteúdos que elas contém, mas como são formuladas a partir de uma determinada lógica, que as tornam plausíveis.

Voltando ao exemplo de minha neta, citado no início deste artigo: se ela entrasse e saísse do banheiro me perguntando com que letras escreveria “Noel” e eu tivesse que soletrar n o e l, não poderia dizer: _ esta menina está alfabetizada. Somente demonstrar interesse pela escrita de palavras, perguntar pela nomenclatura das letras e registrá-las em sequência não é suficiente. Porém, quando a pergunta é baseada em uma lógica combinatória que permite à criança se inquirir se Noel termina com u ou com l, é porque ela já compreendeu que na língua portuguesa existem correspondências unívocas e biunívocas entre os sons e as grafias e que, neste exemplo específico só existem estas duas possibilidades. Neste caso, não temo afirmar: ela já sabe ler !

Que possamos refletir e agir em benefício da alfabetização no Brasil.

 

Júlia Eugênia Gonçalves
Júlia Eugênia Gonçalves
Psicopedagoga há 41 anos, com formação em mestrado pela UFF./RJ. Carioca, moro em Varginha/MG desde 1996, quando fui contratada pela UEMG para participar de um projeto de formação de professores, depois de ter me aposentado da rede pública federal, onde atuava como docente no Colégio Pedro II. Pertenci ao Conselho Nacional da ABPp de 1997 a 2010. Presido a Fundação Aprender, em Varginha, instituição pública de Direito Privado, sem finalidades financeiras e de utilidade pública.Atualmente tenho me especializado em EaD e suas interfaces com a Psicopedagogia.

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