De acordo com a teoria psicopedagógica o sujeito humano se constrói a si mesmo e a seu corpo na relação com outros seres humanos. O corpo se constrói, não nos é dado. O termo “construir” possui o prefixo “”con” que expressa companhia. A corporeidade necessita de contatos e de poder olhar-se em outros rostos. O corpo se alimenta de outro corpo.
Estas reflexões são consideradas quando se analisa o uso de telas pelas crianças na primeira infância e como isso repercute em seu processo de aprendizagem.
No âmbito das telas o pensamento reflexivo fica limitado, assim como a contemplação e a conversação. Há um falso jogo e uma diminuição da fantasia, assim como o predomínio de movimentos repetitivos, reduzidos, quase reflexos, por seu caráter de resposta a estímulos. A experiência do virtual elimina o corpo.
No ambiente virtual as características de proximidade, luz, brilho, movimento- a imagem se torna mais atrativa- além da a cor, criando uma montagem hipnótica, provocando certa fixação, uma conduta adesiva ao objeto, colocando em segundo plano os estímulos do entorno e às vezes fazendo-os desaparecer. A estas características se agrega a continuidade. A luz da tela situada em proximidade com a face é uma luz com brilho, qualidade que torna mais atrativo o objeto.
Quando está conectada a criança não responde ao falarem com ela, parece que não escuta. Ela é expert no digital, utiliza mais dedos do que a palma da mão, não em uma relação de contato – porque não se trata de carinho e apalpação – mas numa relação de pressão e toque. Movimentos muito escassos e simples, exercidos sobre uma tela, um teclado ou um mouse.
A tela tem um efeito hipnótico, como uma prótese. Tal prótese demanda aderência ao corpo e um uso no qual se deve disponibilizar movimentos, ações e segmentos corporais em continuidade com a tela, controlados não pelo contato, mas pela visão em conjunto com a ponta dos dedos.
As telas da TV e de alguns jogos têm fundos, não são neutras nem fixas, mas móveis e mutáveis. Não têm a função de ressaltar a figura, mas competem com o fundo. Quando a imagem pisca, o olho se fixa, fica quieto, preso na troca contínua da imagem, sem possibilidade de fechar-se para trocar seus fluidos. Muitas crianças não têm demandas importantes para sair de casa, mas um apego maior às telas.
No trabalho com crianças, o estimulante é alguém oferecer-se para ser olhado, alguém que se oferece olhando plenamente. Desde a mais tenra idade a relação com o outro é que possibilita a corporização, a qual necessita de contatos e de poder olhar-se em outros rostos. Na interação virtual o corpo se empobrece. A corporeidade se dá a partir dos contatos, dos sabores, da atitude postural , do olhar, da escutada voz, dos gestos expressivos, das praxias etc.