Lição de casa: sim ou não?

Lição de casa: sim ou não?

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As escolas estão iniciando o ano letivo e a questão da lição de casa se apresenta mais uma vez aos professores, pais e alunos.

Posso resumir minha posição em poucos tópicos:

  • Esta prática da escola se tornou arcaica, envelhecida e deveria ser repensada porque perdeu sua razão de ser diante de um mundo que mudou muito em pouco tempo e trouxe às novas gerações mais informação e um estilo de vida mais autônomo;
  • Devem permanecer as práticas antigas, que sempre sustentaram a transmissão de conhecimentos entre gerações, tais como o cultivo de valores morais, da criatividade, da autoria;
  • Se a lição de casa fosse algo de valor, não seria comparada a um ” dever”, uma obrigação, que , como tal, atrai uma conduta reativa por parte das crianças e gera problemas na relação com os pais e professores;
  • A mulher está inserida no mercado de trabalho e passa grande parte do seu tempo fora de casa, o que dificulta o acompanhamento extra-escolar das crianças, que geralmente é feito pela mãe. Quem tem condições contrata uma professora particular para exercer esta função. Mas, quem não tem…
  •  A lição de casa causa conflitos, gritos, brigas, desgastando as relações familiares e ocupando o pouco tempo de convivência que pais e filhos ainda desfrutam. Gera culpa nas crianças e nos adultos.

Os professores costumam dizer: “Se os pais acompanham de perto a vida escolar dos filhos, esses se saem melhor na escola”  e isso leva a família a estudar com as crianças, a fazer as lições de casa junto com elas, a providenciar trabalhos, a coletar informações na internet etc.  Esta situação contém um  equívoco : O importante a é a aprendizagem do aluno ou os resultados que ele obtém? O que é mais valorizado pela escola e pelas famílias: O processo ou o produto?

Aprender é uma tarefa solitária, que a criança precisa realizar sem a ajuda dos pais. Só é aprendido aquilo que se integra à rede neural  do indivíduo.  A função dos pais é bem maior do que isso:

  • É acompanhar a vida do filho, dando-lhe a oportunidade de ele próprio se responsabilizar por sua vida escolar;
  • É estimular no filho a vontade de formular perguntas que envolvem o conhecimento, de dirigi-las aos pais e de ficar interessado nas respostas;
  • É dar ao filho a chance de ele saber que é capaz de enfrentar sua própria batalha sozinho e dar conta dela.

Os professores também alegam que a lição de casa é necessária para fixar a aprendizagem. Será que quatro horas diária de aulas não são suficientes para isso?  Alegam também que as tarefas passadas para serem realizadas em casa desenvolvem a responsabilidade. Será que as crianças que praticam esportes ou dança, que estudam línguas, não têm oportunidades, em tais atividades, de se tornarem responsáveis? E aquelas que assumem tarefas domésticas no lugar de adultos, que são responsáveis muitas vezes pela criação de irmãos menores?

Resta pensar que a lição de casa é ministrada porque se tornou um hábito e, como todo costume, deixou de ser pensado, de ser problematizado e caiu no círculo vicioso da repetição.Convém também ressaltar que a necessidade de atenção, de acompanhamento, de encorajamento de uma criança deve ser atendida por sua família e seus professores, mas tal necessidade não pode ser substanciada de forma simplista na lição de casa. Pesquisas indicam que as crianças bem sucedidas na escola são aquelas cujos sentimentos de competência, de pertinência, de individuação, são estimulados pelos adultos que as educam e isso não é conseguido apenas com a realização de tarefas, mas exige dos familiares e educadores um compromisso com cada uma delas.

Possibilitar a reflexão sobre a educação das crianças, auxiliar os pais nesta função é a tarefa da escola e dos professores. Urge que se discuta na reunião de docentes, de pais, no colegiado escolar e nos conselhos comunitários, a permanência da lição de casa e os benefícios e malefícios que ela produz. Somente após tal reflexão será possível decidir sobre mudanças ou permanências nesta prática tradicional e encaminhar propostas adequadas à nova ordem social vigente. A prática pela prática esgota-se em si mesma. A escola permanece como instituição porque, apesar da aparência conservadora, sempre foi capaz de discutir as questões relevantes para a comunidade que atende, colaborando, desta maneira, para o desenvolvimento de práxis educativas para as gerações futuras.

Neste retorno às aulas, é preciso dar chances para que as crianças se apropriem de seus estudos e se a escola continua com a prática da lição de casa, cabe a ela orientar os pais para que  incentivem e encorajem seus filho a assumir suas responsabilidades escolares e a seguir sempre em frente, mesmo com dificuldades e obstáculos. Isso pode ser feito sem que os estudos se tornem mais importantes para os pais do que para as crianças.

Para auxiliar na conquista da autonomia das crianças em seus estudos, sugerimos  o http://brainly.com.br/, portal de aprendizado via redes sociais, gratuito, criado por 3 estudantes poloneses em 2009 para que  pudessem compartilhar questões escolares e pedir ajuda para outras pessoas. Chegou ao Brasil em 2012 e tem atendido muitos alunos na resolução das tarefas que os professores mandam para serem resolvidas em casa.

Júlia Eugênia Gonçalves
Júlia Eugênia Gonçalves
Psicopedagoga há 41 anos, com formação em mestrado pela UFF./RJ. Carioca, moro em Varginha/MG desde 1996, quando fui contratada pela UEMG para participar de um projeto de formação de professores, depois de ter me aposentado da rede pública federal, onde atuava como docente no Colégio Pedro II. Pertenci ao Conselho Nacional da ABPp de 1997 a 2010. Presido a Fundação Aprender, em Varginha, instituição pública de Direito Privado, sem finalidades financeiras e de utilidade pública.Atualmente tenho me especializado em EaD e suas interfaces com a Psicopedagogia.

10 Comments

  1. Elisa disse:

    Quanta sabedoria em suas palavras. Aprendo cada dia mais com você.
    Abraços!
    Elisa

    • Oi Elisa querida,

      Obrigada por suas palavras carinhosas.
      Um abraço,
      Júlia

      • Graziele Paiva disse:

        Olá, Julia!!
        Parabéns pela iniciativa e pelas matérias publicadas. Sigo-as e leio-as sempre! Concordo plenamente com a matéria sobre as Lições de casa, principalmente, porque tive uma experiência negativa com a Lis ano passado. Ela sempre foi amante dos livros infantis e ,apesar da pouca idade, contadora empolgada de suas estorias. Quando entrou no colégio, aos 2 anos e meio, ela tinha a Ciranda do Livro, um tipo de dinâmica ou dever de casa, onde as crianças levavam o livro para casa e tinham que contá-lo na escola. A Lis amava esse tipo de trabalho, que na época era quinzenal. Ano passado, passou a ser semanal e percebi que ela havia perdido o interesse pelos livros da escola e, consequentemente, os livros que ela tinha em casa. Somente agora, depois que se passaram as férias, que ela voltou a se interessar novamente pelos seus livros. Penso que a escola pecou pelo excesso. Qual a sua opinião como educadora experiente e respeitada que é? Grande abraço!!

        • Oi amiga,

          Eu penso que a escola cometeu excesso, o que levou Liz a relacionar leitura com obrigação. Daí, o que era bom acabou se tornando chato.Como ela ainda é muito pequena, sugiro que vocês continuem lendo para ela. Principalmente à noite, para criar o hábito. Outra alternativa é comprar livros sem texto e brincar com ela, inventando a história.
          Um abraço,
          Júlia

          • Graziele Paiva disse:

            Fantástico, amiga!!
            Obrigada pela atenção!! Saiba que compartilhei seu artigo com amigas e todas gostaram muito!! Mais uma vez, parabéns e muito sucesso!! Grande abraco, Graziele

          • Obrigada, Graziele.

            Penso que o importante na vida é compartilhar o conhecimento que tivemos a oportunidade de conquistar. Escrevo as coisas que aprendi, re-elaboradas a partir de minha vivências como educadora, mãe e avó.

            Um abraço,
            Júlia

  2. Adorei o seu artigo. Destaco : “Aprender é uma tarefa solitária, que a criança precisa realizar sem a ajuda dos pais. Só é aprendido aquilo que se integra à rede neural do indivíduo. A função dos pais é bem maior do que isso: É acompanhar a vida do filho, dando-lhe a oportunidade de ele próprio se responsabilizar por sua vida escolar; É estimular no filho a vontade de formular perguntas que envolvem o conhecimento, de dirigi-las aos pais e de ficar interessado nas respostas; É dar ao filho a chance de ele saber que é capaz de enfrentar sua própria batalha sozinho e dar conta dela. ” Obrigada por propiciar-me a leitura de material fantástico.Abraços, Lydia

  3. TANEA RIOS disse:

    ola Julia,
    Bastante pertinente seu artigo, concordo plenamente nesta questao da tarefa de casa. Sua explanação é coerente com a pratica exercida pelos pais que andam atarefados e nada colaboracao com essa atividade que os aprendentes levam para casa. Parabens pelas sugestoes e mediacao dessa situaçao. Abracos

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